1. Análise
comparativa entre os contos: Emma Zunz, de Jorge Luis Borges e O
Barril de Amontillado, de E.A.Poe, à luz dos seguintes aspectos:
a. Estrutura: aponte para semelhanças e diferenças na
estrutura do conto – narrador, tempo da narração, espaço, personagens,
linguagem;
No conto O Barril de Amontillado, de Edgar Allan
Poe, a narração acontece em 1ª pessoa, portanto, o narrador é personagem. Em Emma Zunz, de Jorge Luis Borges, a
narração se dá em 3ª pessoa por meio de um discurso indireto. O narrador, por
sua vez, é observador.
O tempo em O Barril de Amontillado é marcado como em
“uma tarde, quase ao anoitecer, em plena loucura do carnaval”; enquanto que em Emma Zunz a história se passa no dia 14
de janeiro de 1922. Já o espaço no texto de Poe é a adega na casa do personagem
Montresor. Na narrativa de Borges, a história se passa na fábrica de tecidos na
qual a personagem Emma trabalha.
Em O Barril do Amontillado, os personagens
são Fortunato, Montresor e Luchesi. Embora Luchesi não participe efetivamente
da trama, são dadas a ele características que o definem como um homem “incapaz
de distinguir entre um Amontillado e um Xerez”. Em Emma Zunz, os personagens são Emma Zunz, Fein ou Fain, Manuel
Maier, “que nos velhos dias felizes fora Emanuel Zunz”, Aaron Loewenthal, Elsa
Urstein e Perla Kronfuss.
Em se tratando da
linguagem, ambos os contos apresentam uma narrativa curta em que não há um
profundo desenvolvimento dos aspectos psicológicos dos personagens. O Barril de Amontillado e Emma Zunz corroboram as idiossincrasias do
gênero conto porque contam os fatos, envolvem o leitor e vão direto ao ponto,
sem rodeios.
Segundo Todorov, o
princípio gerador da ficção de Poe seria o “superlativismo”, ou seja, a
tendência à exploração sistemática dos limites, dos extremos, dos excessos.
No nível estilístico,
este princípio estaria evidenciado na abundante presença de superlativos,
hipérboles e antíteses. No que concerne aos temas e ideias, a problematização
de pares como loucura-razão, humano-animal, natural-sobrenatural, e, sobretudo,
vida-morte também seria uma derivação do superlativismo. (Pigmalião às avessas: um conto de Allan Poe. Andrey Pereira de
Oliveira-UFCG)
No conto de Poe, há um
clima de suspense que surpreende e aproxima o leitor da trama, justamente,
porque o texto é escrito em 1ª pessoa. Tal peculiaridade torna o conto muito
mais real e auxilia no desenrolar da história. Em Emma Zunz, o suspense começa na ocasião em que a protagonista liga
para a vítima da vingança dizendo ter informações sobre a greve dos
funcionários da fábrica. E a partir de então, ela age conforme os seus planos
que ainda são desconhecidos pelo leitor, uma vez que num primeiro momento não
há pistas. Em contrapartida, Edgar Allan Poe conduz o leitor a perceber os
sinais dessa vingança. Montresor, por exemplo, encaminha a vítima para a adega
e oferece-lhe mais vinho.
Em O Barril do Amontillado, existe a ideia
de que o protagonista conta a história de vingança para alguém como se houvesse
a necessidade de confessar suas ações impiedosas. Isso é reforçado pela
escolha, mais uma vez, da narrativa em 1ª pessoa. Em Emma Zunz, por sua vez, a ausência de um confessor é endossada pela
escolha da narração em 3ª pessoa. Observa-se ainda que o conto Emma Zunz não apresenta marcas de um
possível arrependimento ou sentimento de culpa da personagem.
b. Tema: vingança;
Em O Barril do Amontillado, o personagem Montresor
revela-se injuriado e insultado pela vítima. Em um primeiro momento,
possivelmente a um confessor, Montresor questiona a natureza do seu caráter e
supõe que não houvera proferido qualquer ameaça à vítima. E ele reforça: “No
fim, eu seria vingado.” Nessa passagem do conto, portanto, há uma semântica
discursiva porque existe uma relação de duplo sentido.
Nota-se que em O Barril do Amontillado a vingança se
deu também por causa da falta de pagamento de uma dívida. “(...) e seria tolo
que o pagasse como sendo de Amontillado antes de consultá-lo sobre o assunto.
(...) e preciso efetuar o pagamento”. Até então, o leitor não sabe que
Montresor não tem intenção de pagar Fortunato, nem com Amontillado nem com
dinheiro, devido à sequência dos fatos.
Por meio de uma
linguagem figurada, Poe usa o núcleo do título do conto – a palavra barril – para representar o desfecho da
história. O barril representa o engodo para que Fortunato, a vítima, fique
tentado com a possibilidade de ter um barril de Amontillado, como forma de
pagamento, agindo exatamente conforme os planos de Montresor.
Em Emma Zunz, a notícia do suicídio do pai
desencadeia o estopim para a vingança. A personagem se aproveita de uma
situação na qual a fábrica está em greve para manipular a vítima e cometer seu
ato atroz de vingar-se. Emma simula a cena do crime também, já que a cena da
morte acontece quando a personagem desabotoa o paletó da vítima e tira seus
óculos. Existe, logo, aquilo que o Direito chama de cogitação e atos
preparatórios.
c. Símbolos e metáforas;
Em O Barril do Amontillado, o brasão da
família é um símbolo que representa a compreensão do conto. Nesse brasão, há um
enorme pé com uma serpente rampante cujas presas estão ferradas no calcanhar. A
legenda Nemo me impune lacessit
(Ninguém me fere impunemente) é a representação do significado desse brasão
porque, ao mesmo tempo em que o pé esmaga a serpente, o veneno da cobra
entranha pelo corpo e mata.
O barril, como já fora
dito, representa o desfecho do conto. Observa-se também que na palavra barril
em inglês, caso seja retirada a letra C,
forma-se o vocábulo ask, que quer
dizer pergunta. Há a sugestão de que a resposta para o conto está dentro do
próprio barril.
De acordo com o site Wikipédia, a trolha – também
conhecida como colher de pedreiro – é o símbolo da benevolência para com todos
na maçonaria. A trolha pode ser considerada como um emblema de tolerância e de
indulgência com que todo maçom deve dissimular as faltas e defeitos de seus
irmãos. A trolha, segundo Plantagenet, é o símbolo do amor fraternal que deve
unir a todos os maçons, único cimento que os obreiros podem empregar para a
edificação do templo. Há ainda o sentido da expressão passar a trolha que significa esquecer as injúrias ou as
injustiças, perdoar um agravo, dissimular um ressentimento, desculpar uma
falta.
Em Emma Zunz, há a carta que desencadeia o
processo de vingança. Existe ainda o revólver que é um símbolo o qual remete à
contemporaneidade do conto, dialogando com o símbolo da colher de pedreiro do
conto de Poe. Nota-se, portanto, que Jorge Luis Borges é um leitor de Edgar
Allan Poe e constrói um texto que é a própria leitura do autor norte-americano.
d. Efeito no leitor: Borges consegue
traduzir em Emma Zunz o mesmo efeito
que em O Barril de Amontillado?
Há o mesmo efeito
produzido por Poe porque ambos os contos partem do enigma e não do conto
policial. Apesar de o tema ser vingança, não há a ideia de uma vingança
qualquer porque o ato de vingar-se deve ser perfeito e impune. Nem Fortunato
nem Loewenthal souberam o motivo pelo qual foram mortos. Assim, pode-se
concluir que a vingança não se realizou perfeitamente como era pretendida pelos
vingadores. Percebe-se que Montresor segue de forma fiel a estrutura do ato
nefando porque ignora a condição de sujeito da vítima, restringindo-o à
condição de objeto.
e. Considerações finais.
Em ambos os contos, os
autores prendem a atenção do leitor. A linguagem é curta e simples. Apesar de
não existir uma descrição detalhada das características psicológicas dos
personagens, Emma e Montresor são vistos como dissimulados porque se certificam
de que cada vítima receba exatamente aquilo que merece. A teoria da atribuição
de Melvin Lerner diz que as pessoas sentem-se mais confortáveis quando pensam
que podem controlar as próprias vidas.
Precisamos acreditar
que vivemos em um mundo em que as boas ações são recompensadas e as más,
punidas, e isso contribui de maneira significativa para nossa sensação de que é
possível prever, conduzir e, em última análise, controlar os acontecimentos. Essa
“hipótese de um mundo justo” é uma tendência a acreditar que “as pessoas
recebem o que merecem.” (O LIVRO DA PSICOLOGIA. Ed. Globo, 2012. p. 242)