CANAL LITERÁRIO

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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Comparando os Sermões de Pe. Antonio Vieira e Pe. Fábio de Melo.

COMPARAÇÃO DOS SERMÕES

Hoje é tempo de ser feliz!
Padre Fábio de Melo
A vida é fruto da decisão de cada momento. Talvez seja por isso que a ideia de plantio seja tão reveladora sobre a arte de viver.
Viver é plantar. É atitude de constante semeadura, de deixar cair na terra de nossa existência as mais diversas formas de sementes. 
Cada escolha, por menor que seja, é uma forma de semente que lançamos sobre o canteiro que somos. Um dia, tudo o que agora silenciosamente plantamos, ou deixamos plantar em nós, será plantação que poderá ser vista de longe...
Para cada dia, o seu empenho. A sabedoria bíblica nos confirma isso, quando nos diz que “debaixo do céu há um tempo para cada coisa!”.
Hoje, neste tempo que é seu, o futuro está sendo plantado. As escolhas que você procura, os amigos que você cultiva, as leituras que você faz, os valores que você abraça, os amores que você ama, tudo será determinante para a colheita futura. 
Felicidade talvez seja isso: alegria de recolher da terra que somos frutos que sejam agradáveis aos olhos!
Infelicidade, talvez seja o contrário. 
O que não podemos perder de vista é que a vida não é real fora do cultivo. Sempre é tempo de lançar sementes... Sempre é tempo de recolher frutos. Tudo ao mesmo tempo. Sementes de ontem, frutos de hoje. Sementes de hoje, frutos de amanhã! 
Por isso, não perca de vista o que você anda escolhendo para deixar cair na sua terra. Cuidado com os semeadores que não lhe amam. Eles têm o poder de estragar o resultado de muitas coisas. 
Cuidado com os semeadores que você não conhece. Há muita maldade escondida em sorrisos sedutores... 
Cuidado com aqueles que deixam cair qualquer coisa sobre você, afinal, você merece muito mais que qualquer coisa. 
Cuidado com os amores passageiros... Eles costumam deixar marcas dolorosas que não passam...
Cuidado com os invasores do seu corpo... Eles não costumam voltar para ajudar a consertar a desordem...
Cuidado com os olhares de quem não sabe lhe amar... Eles costumam lhe fazer esquecer que você vale a pena...
Cuidado com as palavras mentirosas que esparramam por aí... Elas costumam estragar o nosso referencial da verdade... 
Cuidado com as vozes que insistem em lhe recordar os seus defeitos... Elas costumam prejudicar a sua visão sobre si mesmo. 
Não tenha medo de se olhar no espelho. É nessa cara safada, que você tem, que Deus resolveu expressar, mais uma vez, o amor que Ele tem pelo mundo. 
Não desanime de você, ainda que a colheita de hoje não seja muito feliz. 
Não coloque um ponto final nas suas esperanças. Ainda há muito o que fazer, ainda há muito o que plantar, e o que amar nessa vida. 
Ao invés de ficar parado no que você fez de errado, olhe para frente, e veja o que ainda pode ser feito... 
A vida ainda não terminou. E já dizia o poeta "que os sonhos não envelhecem...". 
Vai em frente. Sorriso no rosto e firmeza nas decisões. 
Deus resolveu reformar o mundo, e escolheu o seu coração para iniciar a reforma. 
Isso prova que Ele ainda acredita em você. E se Ele ainda acredita, quem sou eu pra duvidar... (?)


Análise dos sermões

São marcantes as diferenças entre a linguagem dos sermões do Padre Antônio Vieira e Padre Fábio de Melo. No entanto, os textos utilizam frequentemente figuras de linguagem como metáforas e antíteses. Tais recursos estilísticos marcam ainda mais a argumentação do gênero, aproximando os interlocutores.
No sermão Hoje é tempo de ser feliz, há a seguinte metáfora: Viver é plantar. Todo o discurso do Padre Fábio de Melo é cerceado pela ideia de que as atitudes e escolhas do homem direcionam-no a um determinado caminho, que pode ser bom ou mau. Em se tratando das antíteses, marcas textuais do sermão, Padre Fábio de Melo adota palavras como felicidade e infelicidade. Felicidade talvez seja isso: alegria de recolher da terra que somos frutos que sejam agradáveis aos olhos! Infelicidade, talvez seja o contrário”.
Outra passagem que se destaca no sermão de Padre Fábio de Melo é a citação da bíblia que, certamente, reforça a argumentação exposta pelo orador e retoma à temática do discurso.

Para cada dia, o seu empenho. A sabedoria bíblica nos confirma isso, quando nos diz que “debaixo do céu há um tempo para cada coisa!”.


As escolhas lexicais de Padre Fábio de Melo, por sua vez, criam uma constante mensagem argumentativa com o objetivo de persuadir seus interlocutores. O uso de verbos no modo imperativo acrescenta ao sermão um caráter extremamente subjetivo.

Por isso, não perca de vista o que você anda escolhendo para deixar cair na sua terra. Cuidado com os semeadores que não lhe amam. Eles têm o poder de estragar o resultado de muitas coisas.

A anáfora da palavra cuidado, usada repetidas vezes em diferentes parágrafos, também endossa a ideia de persuasão (Exemplos: Cuidado com as palavras mentirosas; Cuidado com as vozes).
No sermão da Sexagésima do Padre Antônio Vieira, por sua vez, há a temática religiosa com a utilização de parábolas a fim de que o público alvo seja persuadido. Mestre da oratória com grande poder de argumentação, Pe. Vieira faz uso da metalinguagem, ou seja, reflete sobre a arte de pregar por sermões ao mesmo tempo em que prega o próprio sermão.
O sermão da Sexagésima, além de passar aos cristãos a palavra de Deus, também foi uma maneira que Pe. Viera encontrou para fazer críticas por meio de metáforas irônicas e trocadilhos de palavras, severas críticas ao Frei Domingos de S. Tomas, como mostra o trecho a seguir.
Ah, Pregadores! Os de cá, achar-vos-eis com mais Paço; os de lá, com mais passos (...) Entre os semeadores do Evangelho há uns que saem a semear, há outros que semeiam sem sair.

Tal estilo é o mesmo de pregar de Jesus. Percebe-se a sonoridade na escolha das palavras e comparações. Com essa metáfora, Pe. Antônio Vieira dá a ideia de que os missionários devem sair de suas casas (pátrias) para professar a fé, comparando-se a Cristo, que saiu para semear a palavra de Deus em vários lugares diferentes, e conquistando assim mais fiéis a sua igreja.
No instante em que Pe. Vieira usa a palavra Paços e depois passos (no sentido de caminhar), ele enfatiza a ideia de que há os que realmente caminham e os que preferem outro Paço, isto é, os das praças de sua terra Natal.
No decorrer do discurso e na escolha das metáforas, observa-se também que Pe. Vieira fala de vocação. Em E se quisesse Deus que este tão ilustre e tão numeroso auditório saísse hoje tão desenganado da pregação como vem enganado com o pregador!  Ouçamos o Evangelho e ouçamo-lo todo, que todo é do caso que me levou e trouxe de tão longe, Pe. Antônio Vieira começa sua argumentação de forma hipotética (E se quisesse Deus); apresenta sua doutrina, persuadindo o ouvinte e, por meio da parábola, que segue retirada da Bíblia (parábola do semeador), ele parte para o tema de sua argumentação, reforçando também sua crítica de que ele saiu para semear ao contrário de muitos missionários que não querem sair de sua pátria (Paços).
Usando a palavra todo, Pe. Vieira se refere a Deus, querendo dizer que ele próprio não tem vontade enquanto missionário, mas sim, faz a vontade de Deus, que é sair de sua pátria para semear a palavra. Neste momento, é destacada uma comparação e até mesmo uma certa vaidade de que ele próprio segue à maneira do Cristo, como neste exemplo: “Mas daqui mesmo vejo que notais (e me notais) que diz Cristo que o semeador do Evangelho saiu, porém não diz que tornou”.
Logo a diante, ele faz uso de uma segunda parábola retirada da Bíblia:  Ezequiel, I, 12. Pe. Vieira faz uso de alegorias para sua argumentação  e escolhe muito bem as antíteses e os substantivos abstratos.

No trecho, A maior é a que se tem experimentado na seara aonde eu fui, e para onde venho. Tudo o que aqui padeceu o trigo, padeceram lá os semeadores. Se bem advertirdes, houve aqui trigo mirrado; trigo afogado, trigo comido, trigo pisado, nota-se a ambiguidade do verbo pisar, empregado no sentido de humilhar, ofender, insultar, magoar. Em Oh que grandes esperanças me dá esta sementeira! Oh que grande exemplo me dá este semeador!, o padre invoca e enaltece o bom santo, inspiração e exemplo de bom missionário que o levou a fazer tal discurso.

Resenha - A Norma Oculta - Bagno

PARA QUEM VALEM AS REGRAS?

O livro A norma oculta: língua & poder na sociedade brasileira (Parábola Editorial, 2003, 200p.), do linguista Marcos Bagno, está organizado da seguinte maneira: um prólogo, três capítulos e um epílogo.
O prólogo, intitulado Mídia, Preconceito e Revolução, chama atenção para o fato de alguns jornalistas terem criticado a forma de falar do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, simplesmente por ele não usar a norma padrão imposta pela gramática normativa.
Em nossa sociedade o uso da gramática normativa é posto como uma regra que jamais pode ser quebrada e quem se comunica através de formas estigmatizadas não está apto a ocupar cargos importantes.
Bagno afirma que o preconceito é muito mais um preconceito de ordem social, já que a língua é parte constitutiva da identidade do indivíduo.
Na primeira parte do livro _ Por que norma¿ Por que Culta¿ Bagno critica as gramáticas. Segundo ele, estão descontextualizadas, pois optam pela literatura como modelo de língua culta e discriminando as outras variedades linguísticas do povo brasileiro.
Na segunda parte do livro – Um pouco de história: o fantasma colonial e a mudança linguística, Bagno mostra, através da história, a origem das discrepâncias entre a norma padrão e o português brasileiro efetivamente usado no dia a dia, além disso, aborda outras questões, como a baixa autoestima linguística e o papel político dos linguistas diante do quadro atual.
Na terceira parte do livro – Por uma gramática do português brasileiro, o objetivo principal do autor é reforçar a ideia de que as gramáticas existentes não são ideais. Bagno avalia que seria necessário uma reformulação na gramática existente, ou seja, que se produzisse uma gramática realmente brasileira, preparada por pesquisadores comprometidos com a realidade linguística do Brasil.
No epílogo – Norma (o)culta, a gramática não-escrita, o autor faz uma breve retomada sobre a ideia principal do livro e justifica o jogo ideológico que está por trás da escolha do título do livro. Reforça que existe um conjunto de regras linguísticas apoiada no mito de que o conhecimento da norma culta é garantia suficiente para a inserção do indivíduo na categoria dos que sabem falar e, por isso, têm direito à palavra.
Conclusão

A partir da leitura de Bagno a concepção do que é certo e o que é errado faz parte de uma linha muito tênue na significação da própria palavra erro. Afinal, acreditar que falamos errado é crer que somos todos errados. É desconsiderar as características de um povo, é desmerecer sua história. 

Homem Lento - Coetzee

Homem lento é um livro doloroso demais. Uma dor seca, sem melancolia, sem sentimentalismos. Só a ferroada. A dor do quase inimaginável se tornando imagem a cada página. É uma experiência árdua a que Coetzee nos propõe neste livro, que pode ser lido como um cálculo de perdas, de possibilidades perdidas, o capítulo das "negativas" de Brás Cubas transcrito em 275 páginas sem nenhuma expectativa de redenção. Só sobriedade e silêncio. Muito silêncio.