CANAL LITERÁRIO
segunda-feira, 26 de novembro de 2012
Crônica -- TPM DA LOTAÇÃO
Dia desses, ao entrar no ônibus 17, na linha que sai de Canoa e vai até Remos, deparei-me com um casal que estava sentado próximo à porta de saída, junto ao cobrador , falavam alto, gesticulavam, interrompiam o discurso um do outro, um espetáculo circense que dava inveja a muito artista de rua. Sim, eles estavam discutindo a relação.
Tratei de olhar para os dois lados em busca de uma rota de fuga para escapar daquele momento íntimo, tão “celebrado” em público e que começava a ganhar olhares de reprovação da plateia, digo, dos passageiros . Mas, para minha infelicidade, não havia rota de fuga, e o pior, o único lugar disponível era no banco logo atrás do casal. O jeito foi sentar ali mesmo e tentar ficar invisível, ser mais uma espectadora involuntária daquela situação inevitável na vida de todo casal.
A discussão se prolonga e em certo momento todos os passageiros, além de partilharem da mesma angústia, já se tornaram conhecedores do motivo que leva a moça a querer, praticamente, esfolar o namorado em praça pública. A situação é esta, o rapaz está tentando convencer a namorada de que no dia em que bebeu demais na casa do Zé Araújo foi por conta do Palmeiras ter perdido, ele não sabia que naquela ocasião a Soraia, sua ex-namorada, iria aparecer por lá.
A moça, muito revoltada e sofrendo daquele gestual típico italiano, bate no ombro do rapaz ameaçando-o a todo o momento interrompendo a explicação do pobre coitado que já não sabia mais como se defender daquela paranoia toda e principalmente tentando encontrar a tacada final para aquele drama todo. Eu não tinha dúvidas, o rapaz iria apanhar ali mesmo, na frente de todo mundo. Penso em intervir, mas àquela altura do conflito, corria o risco de a moça pensar que a Soraia era eu.
O rapaz tenta se explicar, diz que não aconteceu nada, que nem a tinha cumprimentado, Soraia estava lá porque é amiga da namorada de Zé Araújo, justifica. Já sem paciência por tanto sofrer com aquele achincalhamento , o rapaz - cheio de “sensibilidade” - dispara uma pergunta , como quem tenta o último golpe numa luta em que está sendo surrado , "o que há com você, está menstruada?".
Se existe mesmo um silêncio antes da explosão, certamente é parecido com o que se ouviu naquele coletivo. Eu tinha certeza de que o homem havia, com aquela frase, assinado sua sentença de morte. O motorista reduz a velocidade para deixar um passageiro no próximo ponto de ônibus. A moça, cujo silêncio só não era maior que a fúria contida, aproveitou o sinal de parada e praticamente atropelou o pobre coitado que dava o passo para pisar no primeiro degrau da porta de saída. O rapaz, que mesmo sem ter feito nada demais na festa do Zé Araújo, levanta-se do banco e desce do ônibus gritando desesperadamente, “desculpa, desculpa, desculpa!”.
Juliana da Mata Ribeiro
Prática de Leitura e Produção Textual -
2º semestre de Letras Português/Inglês
Universidade Católica de Santos
Profª Ana Cecília da Costa.
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