Análise da música “DOMINGO NO PARQUE” de Gilberto Gil.
"Domingo no parque", à maneira
das canções de Chico Buarque, é fundamentalmente uma canção narrativa, fazendo
uso de um tempo verbal típico do gênero narrativo (ou épico), que é o
pretérito: "trabalhava", "resolveu", "foi", entre
outros. Os personagens são dois amigos: José, o rei da brincadeira, e João, o
rei da confusão. O acontecimento trágico de que a letra dá notícia ocorrerá
justamente num dia em que esses personagens contrariam, digamos assim, seus
atributos: porque João escolhe a brincadeira, José se encaminha para a
confusão, para a briga:
"A semana passada, no fim da semana,
João resolveu não brigar,
no domingo de tarde saiu apressado
e não foi pra ribeira jogar capoeira
não foi pra lá, pra ribeira, foi namorar".
João resolveu não brigar,
no domingo de tarde saiu apressado
e não foi pra ribeira jogar capoeira
não foi pra lá, pra ribeira, foi namorar".
"O José como sempre no fim da semana
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio
Foi no parque que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu (...)'.
Guardou a barraca e sumiu
Foi fazer no domingo um passeio no parque
Lá perto da Boca do Rio
Foi no parque que ele avistou
Juliana
Foi que ele viu (...)'.
A reprodução do incidente se dá
aos arrancos, por descontinuidades sintáticas e repetições: "Foi que
ele avistou/ Juliana/ foi que ele viu Juliana na roda com João". É
como se a descoberta de José ocorresse por partes: ele avista Juliana,
mas ainda não vê tudo. O verbo "ver" aqui
ganha o sentido de abarcar o conjunto, a totalidade, por oposição ao
"avistar", que indica olhar segmentado.
É preciso lembrar que não estamos diante de um
poema, mas de uma canção, em que letra e música se articulam e que está sujeita
a variações de improviso.
"O espinho da rosa feriu Zé
e o sorvete gelou seu coração".
e o sorvete gelou seu coração".
Esses objetos, típicos de um alegre domingo no parque, ganham contornos de pesadelo. São metonímias, ou seja, são partes que valem pelo todo, são índices de algo maior. Lembra-se daqueles sonhos em que um objeto aparentemente simples parece indicar "algo mais" dada sua presença muito marcada e a insistência com que ele fica em nossa memória? Algo disso acontece aqui. Essa atmosfera onírica é intensificada com a repetição, a anáfora: "O sorvete e a rosa - ê José,
a rosa e o sorvete - ê José".
a rosa e o sorvete - ê José".
Temos aqui uma subespécie de anáfora: o quiasmo, a repetição cruzada (formando X) de palavras:
sorvete e rosa
rosa e sorvete.
Veja outra repetição:
rosa e sorvete.
Veja outra repetição:
"Oi, girando na mente - ô, José
Do José brincalhão - ô, José
Do José brincalhão - ô, José
Juliana girando - oi, girando
Oi, na roda gigante - oi, girando
Oi, na roda gigante - oi, girando
O amigo João - João".
Oi, na roda gigante - oi, girando
Oi, na roda gigante - oi, girando
O amigo João - João".
Tudo gira literalmente, inclusive a cabeça de José, que vai deixando de ser brincalhão. Há uma relação de proporção aqui: quanto mais brinca João, quanto mais gira a roda-gigante, mais José vai se tornando sério e mesmo beligerante. A seriedade de um aumenta conforme a disposição jovial e brincalhona do outro. A repetição do verbo girar mais o uso do gerúndio produzem um efeito hipnotizante. A roda-gigante, rodando, põe a girar também a cabeça e as ideias de José.
A visão terrível desencadeia a luta, toda descrita por metonímias: a roda girando, a faca, o sangue, o sorvete de morango, vermelho, como a prenunciar o desastre que advirá.
Bibliografia:
A Coesão Textual, Ingedore Villaça Koch.
Gramática, Faraco Moura e Maruxo.
Domingo no parque, de Gilberto Gil.