Ensaio sobre a cegueira, do escritor português José Saramago,
e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, trata-se de um livro
filosófico e uma crítica aos valores sociais, expondo o caos a que se chega
quando a maioria da população é acometida pela cegueira.
O cenário para essa estória é a sociedade portuguesa
contemporânea e seus personagens sem nomes, sendo descritos por suas características:
a mulher de óculos,
O primeiro
cego, a mulher do médico, o médico, o ladrão.
Saramago
usa desse recurso da anulação do substantivo próprio justamente como metáfora
para a desumanização de uma sociedade incapaz de ouvir e olhar para o outro. De
que vale o nome para quem não pode ver? É por meio das características físicas
que o autor coisifica o personagem com efeito de tirar a humanização do outro,
transformando-o num animal irracional. E à medida que os cegos vão se
amontoando no manicômio, vão retornando assim à sua condição animalesca: “tensos,
de pescoço estendido como se farejassem algo...”(EC,49); “eram trazidos em
rebanho” e ‘esbarravam uns nos outros”(EC, 72);...de gatas, de cara rente ao
chão como suínos”
O escritor-cidadão onisciente utiliza a alegoria da cegueira
para representar o horror vivenciado pela sociedade, mas não visto: “Se podes
olhar, vê. Se podes ver, repara”. Uma crítica ao sistema, ao capitalismo, a
industrialização, às forças armadas e à política.
Uma das características da escrita do escritor são as falas
entre vírgulas, que forçam o leitor a um verdadeiro mergulho em suas ideias,
tornando-se impossível parar em meio as considerações do autor. Saramago rompe
com a estrutura para criar o seu próprio estilo. A desconstrução do tempo
linear nas suas idas e vindas nas memórias das personagens, evocam uma reflexão
sobre os valores éticos.
Ensaio sobre a cegueira é uma metáfora para a visão. O livro
não perderia o sentido se tivesse o título Ensaio sobre a visão. Coisa de
gênio.
Quando eu li pela primeira vez esse livro, fiquei hipnotizada
pela escrita do Saramago. As construções sintáticas são perfeitas, não tendo
dificuldade alguma e nem perda do sentido pela falta de acentuação. A
genialidade de se fazer uma pergunta sem o uso do ponto de interrogação e
perceber a pergunta no texto, definitivamente é o que mais me encanta na
escrita de Saramago.
Ele abusa da
conotação, das aliterações, das metáforas podendo pegar desprevenido o leitor
pouco familiarizado com esse tipo de literatura mais sofisticada.
Ler esse livro pela segunda vez, na faculdade, foi ainda mais
enriquecedor. Num primeiro momento, houve aquela leitura sem compromisso. Num
segundo momento, a escrita se tornou ainda mais abrangente, ampliando as
possibilidades de leitura e de sentido.
Saramago é o meu escritor preferido pelo conjunto de tudo o
que ele já realizou. Essa vontade de brincar com o caos, a questão dos opostos,
de uma crítica mais intensa ao sistema, torna-o um dos maiores escritores de
literatura crítica universal.
Definitivamente,
não dá para viver sem ler Saramago. Todas as estrelas possíveis para ele.