CANAL LITERÁRIO

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sábado, 7 de fevereiro de 2015

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA - JOSÉ SARAMAGO

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, OU ENSAIO SOBRE A VISÃO?     RESENHA CRÍTICA


Ensaio sobre a cegueira, do escritor português José Saramago, e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, trata-se de um livro filosófico e uma crítica aos valores sociais, expondo o caos a que se chega quando a maioria da população é acometida pela cegueira.
O cenário para essa estória é a sociedade portuguesa contemporânea e seus personagens sem nomes, sendo descritos por suas características: a mulher de óculos,
O primeiro cego, a mulher do médico, o médico, o ladrão.
            Saramago usa desse recurso da anulação do substantivo próprio justamente como metáfora para a desumanização de uma sociedade incapaz de ouvir e olhar para o outro. De que vale o nome para quem não pode ver? É por meio das características físicas que o autor coisifica o personagem com efeito de tirar a humanização do outro, transformando-o num animal irracional. E à medida que os cegos vão se amontoando no manicômio, vão retornando assim à sua condição animalesca: “tensos, de pescoço estendido como se farejassem algo...”(EC,49); “eram trazidos em rebanho” e ‘esbarravam uns nos outros”(EC, 72);...de gatas, de cara rente ao chão como suínos”
O escritor-cidadão onisciente utiliza a alegoria da cegueira para representar o horror vivenciado pela sociedade, mas não visto: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”. Uma crítica ao sistema, ao capitalismo, a industrialização, às forças armadas e à política.
Uma das características da escrita do escritor são as falas entre vírgulas, que forçam o leitor a um verdadeiro mergulho em suas ideias, tornando-se impossível parar em meio as considerações do autor. Saramago rompe com a estrutura para criar o seu próprio estilo. A desconstrução do tempo linear nas suas idas e vindas nas memórias das personagens, evocam uma reflexão sobre os valores éticos.
Ensaio sobre a cegueira é uma metáfora para a visão. O livro não perderia o sentido se tivesse o título Ensaio sobre a visão. Coisa de gênio.
Quando eu li pela primeira vez esse livro, fiquei hipnotizada pela escrita do Saramago. As construções sintáticas são perfeitas, não tendo dificuldade alguma e nem perda do sentido pela falta de acentuação. A genialidade de se fazer uma pergunta sem o uso do ponto de interrogação e perceber a pergunta no texto, definitivamente é o que mais me encanta na escrita de Saramago.
Ele abusa da conotação, das aliterações, das metáforas podendo pegar desprevenido o leitor pouco familiarizado com esse tipo de literatura mais sofisticada.
Ler esse livro pela segunda vez, na faculdade, foi ainda mais enriquecedor. Num primeiro momento, houve aquela leitura sem compromisso. Num segundo momento, a escrita se tornou ainda mais abrangente, ampliando as possibilidades de leitura e de sentido.
Saramago é o meu escritor preferido pelo conjunto de tudo o que ele já realizou. Essa vontade de brincar com o caos, a questão dos opostos, de uma crítica mais intensa ao sistema, torna-o um dos maiores escritores de literatura crítica universal.

Definitivamente, não dá para viver sem ler Saramago. Todas as estrelas possíveis para ele.

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