Análise Semântica da música “Pedaço de Mim”, de Chico Buarque.
Música integrante da trilha sonora da peça musical "Ópera do Malandro" grande sucesso
de Chico Buarque dos anos 70, lançada em LP em1979.
Francisco Buarque de Hollanda nasceu no Rio de Janeiro em
1944, mas viveu sua infância, adolescência e juventude em São Paulo. Filho do
historiador Sérgio Buarque de Hollanda, Chico Buarque pode ter acesso a nata do
pensamento intelectual e cultural devido as visitas que seu pai recebia em
casa, influenciando assim, seu pensamento crítico e a habilidade comunicativa. Chico
também estudou no Colégio Santa Cruz de São Paulo, com forte influência para
estudos sociais, assim como cursou a FAU Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo, na época forte reduto de estudiosos voltados para
os problemas sociais do Brasil.
Na década de 70 as músicas de Chico passaram a ter cunho
mais fortemente social, como "Apesar
de você", "Cálice",
"Bolsa de amores", "Tanto mar" todas censuradas pelo
governo militar da época.
"Apesar de você"
foi lançada em compacto chegando a vender 100 mil cópias, mas teve seus discos
restantes apreendidos pela censura: era uma clara alusão ao governo militar que
"apesar dele" o país continuaria a seguir seu destino; em 1973, no
evento Phono 73 reunindo todo o
elenco da gravadora Phonogram no
Palácio das Convenções do Anhembi (SP), Chico ao apresentar com Gilberto Gil
sua música "Cálice" teve o
microfone desligado, o que causou grande tumulto. Com "Opera do Malandro" Chico atingiu
maturidade total como escritor e compositor ao fazer este musical de grande
sucesso, com canções belíssimas inclusive esta "Pedaço de mim".
Chico compôs mais de duzentas músicas e com diversos
parceiros sendo considerado um dos mais eruditos, profícuos e importantes
compositores da MPB.
Participou de inúmeros espetáculos teatrais, filmes e mais
recentemente dedica-se à literatura tendo escrito várias obras de sucesso.
PEDAÇO DE MIM
( Compositor: Chico Buarque )
Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar
Oh, pedaço de mim
Oh, metade exilada de mim
Leva os teus sinais
Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais
Oh, pedaço de mim
Oh, metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu
Oh, pedaço de mim
Oh, metade amputada de mim
Leva o que há de ti
Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi
Oh, pedaço de mim
Oh, metade adorada de mim
Lava os olhos meus
Que a saudade é o pior castigo
E eu não quero levar comigo
A mortalha do amor
Adeus.
Análise
O tipo de texto utilizado para esta análise é a música
“Pedaço de Mim”, de Chico Buarque de Holanda. Pode-se observar que a lexia que
mais aparece no texto é a palavra “saudade”, sendo repetida seis vezes no
decorrer da melodia.
Observa-se que no sentido denotativo, o verbete “saudade” é
a recordação suave e melancólica de pessoa ausente, local ou coisa distante,
que se deseja voltar a ver ou possuir. Nostalgia., segundo o dicionário
Houaiss.
No sentido conotativo, a palavra “saudade” pode ser
exemplificada pelo próprio título “Pedaço de mim”, é como se a saudade
corrompesse o Eu-lírico a ponto de tirar um pedaço dele. A saudade como
denotação é a recordação de alguém que se espera ver novamente, metaforizada,
ela passa a ser um castigo para quem espera ver alguém que se tem saudade e,
esse sentimento de espera e dor, o autor metaforiza como algo que ele não quer
carregar, o castigo de viver na falta de alguém personificado na mortalha do
amor, de alguém que já partiu, reforçando a ideia na palavra “adeus” que
encerra a última estrofe da canção.
Pode-se observar também que a palavra saudade é comparada a
um barco “que a saudade dói como um barco/Que aos poucos descreve um arco”,
temos uma oração coordenada sindética explicativa e o elemento explícito “como
“para provar essa comparação. Na mesma estrofe o pronome relativo “que”, retoma
o substantivo “barco” e nesse verso da música há uma prosopopeia porque o barco
está assumindo a ação de descrever que é inerente aos humanos.
A estrutura da
construção sintática da música é marcada pelo chamamento, ou seja, através da
figura de linguagem (apóstrofo) “Oh, pedaço de mim”, dá sentido de invocação,
formada por frases nominais, ou seja, tem o sentido completo mas com a ausência
do verbo.
Logo em seguida, aparece uma oração assindética “Leva o teu
olhar”, seguida por orações coordenadas sindéticas explicativas no decorrer de
toda a música.
Exemplo: Oh, pedaço de mim (A)
Frase nominal
Oh, metade afastada de mim
(A) invocação, chamamento
Leva o teu olhar (B)
Assindética
Que a saudade é o pior
tormento (C) oração coordenada sindética explicativa
É pior do que o esquecimento
(C)
É pior do que se entrevar (B)
Na terceira estrofe da canção há uma metáfora “A saudade é
arrumar o quarto/ Do filho que já morreu”, ou seja, a transformação da palavra
saudade como um ser humano/material, capaz de desenvolver a função que é
inerente ao ser humano em arrumar o quarto, evidenciando assim a prosopopeia. A
saudade por si só não arruma o quarto, ela passa a arrumar através da linguagem
metaforizada, por meio da linguagem poética.
Por meio da linguagem
poética esse “pedaço de mim” vai representar toda a carga que é a dor da
saudade. O corpo vai sentir o que a saudade é exatamente, ou seja, uma fisgada
que dói e lateja, a amputação de um membro do corpo, um pedaço que se perde.
"Oh, metade arrancada de mim... Leva o vulto teu/Que a saudade é o revés
de um parto/ a saudade é arrumar o quarto/do filho que já morreu”, essa é sem
dúvida a metáfora mais bonita da canção, “a saudade é o revés de um parto, ou
seja, a presença de uma ausência, lugar onde o amor se aninhou reforçado na
palavra “quarto” que tem sentido conotativo de “útero” sugerido anteriormente
na estrofe pela palavra “parto”.
Observa-se também na 5º
estrofe um corte, uma quebra de ritmo introduzida pela oração “A mortalha do
amor”. Há uma ruptura na rima, na musicalidade seguida pela palavra adeus no
último verso. Uma despedida.
Conclusão
Percebe-se através das
composições de Chico Buarque uma forte erudição quanto a escolha das palavras,
a riqueza das construções sintáticas, a linguagem metaforizada.
Torna-se inclusive,
extremamente complexo analisar a obra desse que é um dos melhores
representantes da nossa música popular brasileira.
Compositor hábil,
singular e extraordinário, Chico nos desafia o olhar. Nos remete a sentir e
perceber o mundo e as formas por outro prisma, outras veredas.
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