CANAL LITERÁRIO

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terça-feira, 18 de novembro de 2014

MESTRE TAMODA - UANHENGA XITU

Conto "Mestre Tamoda" - Uanhenga Xitu
Literatura Africana (Angola)

Análise Literária: MESTRE TAMODA E A QUESTÃO DA IDENTIDADE NACIONAL

No conto “Mestre” Tamoda, do escritor angolano Uanhenga Xitu, percebe-se que o personagem Tamoda aprendeu a ler e escrever estudando com os filhos dos patrões e com os criados do vizinho do patrão. Tamoda decorava e copiava os vocábulos do dicionário, escolhendo aqueles que lhe soavam melhor.
No momento em que atingiu a fase adulta, Tamoda voltou para sua sanzala que o viu nascer, mostrando que existe um resgaste da sua identidade, ou seja, de suas origens. Com o intuito de tirar da ignorância seus irmãos, Tamoda parte para um discurso metalinguístico, fazendo um papel de griot das tradições orais. No entanto, seus ensinamentos provocavam nos discípulos um efeito contrário.

no lar e na rua os resmungos dos miúdos eram feitos em português do Tamoda, o que criava dissabores aos ‘estudantes’. Porque os pais e manos não compreendiam o significado da palavra interpretavam-na como asneira, o que se pagava com bons açoites.

Em se tratando da voz do personagem “Mestre” Tamoda, portanto, observam-se fortes traços da tradição oral. Tamoda utiliza uma linguagem de origem extremamente regional, apontando para as raízes do povo angolano. Tal característica acrescenta ao discurso de Tamoda uma voz histórica, já que o texto apresenta marcas que remetem o leitor à aceitação do contexto político angolano.
Convém levantar também que o conto apresenta frequentemente uma inversão de ideias, fazendo com os que personagens levem o significado lexical pelo lado pejorativo, como a palavra muchachala, por exemplo. O teórico da linguagem Mikhail Bakhtin acredita que o discurso grotesco (carnavalização) é uma espécie de liberação temporária da verdade dominante e do regime vigente. Observa-se ainda que as estruturas textuais do conto representam o uso alienado e alienante da língua oficial. Existe uma voz social, portanto, que aponta para uma crítica do português trazido pelos colonizadores de Angola.
Outra característica que reforça as tradições da África é o uso das onomatopeias. Xitu se apropria desse recurso estilístico para reproduzir sons e ritmos tipicamente africanos:

Tamoda, na cadência das vozes e do sapato a chiar, ia marcando o ritmo com a cabeça e os ombros, muito esticada e sorridente, e lungulava com um kingungu-a-xitu:
... iê-iê, iê-iê, iê-iê (o chiar do sapato) ... iê-iê, iê-iê...”, que era correspondido com a vozeria dos garotos: Lungula, Tamoda! Lungula, Tamoda! Lungula, Tamoda!
Às vezes, os garotos acompanhavam o chio dos sapatos com o estribilho de uá, uákala-uá! Uá,uá, uákala-uá ngazumbile kiá jakuké...

Percebe-se também que a fala da professora das crianças representa um discurso imperativo. Os educandos eram treinados para mandar e obedecer, dificultando, assim, uma libertação das amarras de submissão e da ignorância impostas pela sociedade autoritária. Tal ideia remete o leitor, por conseguinte, a uma voz crítica, política e social.

As crianças do conto reproduzem aleatoriamente tudo o que elas ouvem do mestre griot, Tamoda. Observa-se uma voz satírica que resulta muitas vezes em represálias, castigos físicos, que partem dos pais e, até mesmo, da professora. A maneira como a professora lida com as crianças é um traço histórico marcante de “Mestre” Tamoda. As atitudes dela direcionam o leitor, perfeitamente, para a relação entre colonizador e colonizado. O discurso da professora não respeita as diferenças regionais, que individualizam cada comunidade, o material regional que Tamoda procurava preservar para que seu povo não perdesse sua identidade cultural.

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