Literatura Africana (Angola)
Análise Literária: MESTRE TAMODA E A QUESTÃO DA IDENTIDADE NACIONAL
No conto “Mestre” Tamoda, do escritor angolano Uanhenga Xitu,
percebe-se que o personagem Tamoda aprendeu a ler e escrever estudando com os
filhos dos patrões e com os criados do vizinho do patrão. Tamoda decorava e
copiava os vocábulos do dicionário, escolhendo aqueles que lhe soavam melhor.
No momento em que atingiu a fase adulta, Tamoda voltou para sua sanzala
que o viu nascer, mostrando que existe um resgaste da sua identidade, ou seja,
de suas origens. Com o intuito de tirar da ignorância seus irmãos, Tamoda parte
para um discurso metalinguístico, fazendo um papel de griot das tradições orais. No entanto, seus ensinamentos provocavam
nos discípulos um efeito contrário.
no lar e na rua os resmungos dos miúdos eram
feitos em português do Tamoda, o que criava dissabores aos ‘estudantes’. Porque
os pais e manos não compreendiam o significado da palavra interpretavam-na como
asneira, o que se pagava com bons açoites.
Em se tratando da voz do personagem “Mestre” Tamoda, portanto,
observam-se fortes traços da tradição oral. Tamoda utiliza uma linguagem de
origem extremamente regional, apontando para as raízes do povo angolano. Tal
característica acrescenta ao discurso de Tamoda uma voz histórica, já que o
texto apresenta marcas que remetem o leitor à aceitação do contexto político
angolano.
Convém levantar também que o conto apresenta frequentemente uma
inversão de ideias, fazendo com os que personagens levem o significado lexical
pelo lado pejorativo, como a palavra muchachala,
por exemplo. O teórico da linguagem Mikhail Bakhtin acredita que o discurso
grotesco (carnavalização) é uma espécie de liberação temporária da verdade
dominante e do regime vigente. Observa-se ainda que as estruturas textuais do
conto representam o uso alienado e alienante da língua oficial. Existe uma voz
social, portanto, que aponta para uma crítica do português trazido pelos
colonizadores de Angola.
Outra característica que reforça as tradições da África é o uso das
onomatopeias. Xitu se apropria desse recurso estilístico para reproduzir sons e
ritmos tipicamente africanos:
Tamoda, na cadência das vozes e do sapato a chiar,
ia marcando o ritmo com a cabeça e os ombros, muito esticada e sorridente, e
lungulava com um kingungu-a-xitu:
... iê-iê, iê-iê, iê-iê (o chiar do sapato) ...
iê-iê, iê-iê...”, que era correspondido com a vozeria dos garotos: Lungula,
Tamoda! Lungula, Tamoda! Lungula, Tamoda!
Às vezes, os garotos acompanhavam o chio dos
sapatos com o estribilho de uá, uákala-uá! Uá,uá, uákala-uá ngazumbile kiá
jakuké...
Percebe-se também que a fala da professora das crianças representa um
discurso imperativo. Os educandos eram treinados para mandar e obedecer,
dificultando, assim, uma libertação das amarras de submissão e da ignorância
impostas pela sociedade autoritária. Tal ideia remete o leitor, por conseguinte,
a uma voz crítica, política e social.
As crianças do conto reproduzem aleatoriamente tudo o que elas ouvem do
mestre griot, Tamoda. Observa-se uma
voz satírica que resulta muitas vezes em represálias, castigos físicos, que
partem dos pais e, até mesmo, da professora. A maneira como a professora lida
com as crianças é um traço histórico marcante de “Mestre” Tamoda. As atitudes
dela direcionam o leitor, perfeitamente, para a relação entre colonizador e
colonizado. O discurso da professora não respeita as diferenças regionais, que
individualizam cada comunidade, o material regional que Tamoda procurava
preservar para que seu povo não perdesse sua identidade cultural.
Nenhum comentário:
Postar um comentário