CANAL LITERÁRIO

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terça-feira, 18 de novembro de 2014

A SIMBOLOGIA EM A HORA DA ESTRELA

A simbologia em A Hora da Estrela

No livro A Hora da Estrela, Clarice Lispector cria um narrador masculino (Rodrigo S. M.) para levantar as dificuldades enfrentadas por Macabéa. A obra apresenta um processo de metalinguagem entre autora e narrador, que fazem uma série de mediações, para descrever o mundo de Macabéa. Clarice, por exemplo, diz que mulher não pode falar de Macabéa porque correria o risco de lacrimejar piegas. O objetivo da autora é evitar um sentimentalismo para que não escorregue em uma história melodramática.
Macabéa é mulher, pobre e nordestina. Do ponto de vista da semiologia, a personagem é a figura paradigmática da literatura brasileira, porque faz parte de um longo processo de emergência da figura do nordestino (Sertões, Euclides da Cunha; Vidas Secas, Graciliano Ramos; Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto). São três aproximações para aquele que fala pouco e tem parcas palavras.
O nome da personagem vem de Macabeus, que era o povo de origem hebraica, zelotas bíblicos oprimidos pelos gregos (Olímpico). Apesar de ser datilógrafa, Macabéa não é institucionalizada, ou seja, não sabe datilografar, muito menos escrever. Ela é a demitida que ainda está, ligada por um vínculo que não sabe qual é. Depois da sutil despedida, Macabéa vai ao banheiro para ficar sozinha. Ela se olha em um espelho baço e escurecido que não refletia bem sua imagem. O espelho sujo já remete a personagem a alguém que não tem uma visão real de quem é. Macabéa ronda-se para tentar descobrir-se outra.
Olímpico de Jesus, por sua vez, é um nordestino e namorado de Macabéa que adota o sobrenome Moreira porque sabe que “Jesus” no Nordeste é daqueles que não têm pai sabido. O personagem quer ser alguém importante. No filme, Olímpico sonha em ser deputado. Entretanto, o livro aponta que o personagem gosta mesmo é de ver sangue. Olímpico almeja ser açougueiro. Ele pensa em ocupar essa função por representar para ele uma espécie de salto e realização de uma pulsão, isto é, o desejo, o espírito jagunço. O professor de Literatura Comparada da USP, José Wisnik, coloca que o cangaceiro é o potencial virtual do personagem. Na obra cinematográfica, o canivete representa o valentão. “Uma coisa que tinha vontade de ser era toureiro. Uma vez fora ao cinema e estremecera da cabeça aos pés quando vira a capa vermelha. Não tinha pena do touro. Gostava era de ver sangue.” (p. 46 – A Hora da Estrela) Enquanto o nome de Macabéa vem dos antigos hebreus, Olímpico vem do grego. Macabéa quer ser; Olímpico quer o poder.
As obras, tanto fílmica quanto literária, apresentam muitos símbolos que apontam para a chegada das multinacionais ao Brasil. José Wisnik aponta que associando o livro à marca Coca-Cola, por exemplo, Clarice reforça a identidade da obra e atualiza o texto no período pelo qual o país transitava. Dessa maneira o livro não correria o risco de se tornar uma edição panfletária.
Os parafusos e os pregos, que aparecem no livro e no filme, têm um formato fálico. Macabéa, com medo de que houvesse uma ruptura na pouca comunicação que existia com Olímpico, ao passar por uma loja de ferragens diz: “Eu gosto de parafuso e prego, e o senhor?” (p. 44 – A Hora da Estrela) Macabéa também associa os objetos à figura metalúrgica de Olímpico. Quando a personagem diz que gosta de pregos e parafusos, ela também quer dizer que gosta dele. “Mas ela já o amava tanto que não sabia mais como se livrar dele, estava em desespero de amor.” (p. 44 – A Hora da Estrela)
É importante levantar que toda vez que Macabéa come um cachorro quente a salsicha está escorregando para fora do pão. Portanto, é a salsicha reforçando mais uma vez o símbolo fálico. Além de o canivete apontar para um homem valente, há ainda uma representação da virilidade de Olímpico. No filme, essa passagem é extremamente marcada quando Olímpico corta as folhas e os espinhos de uma rosa com o canivete. A rosa representa o órgão sexual feminino, enquanto o canivete o órgão sexual masculino. Como segundo plano, há a imagem de uma ninfa. Ao mesmo tempo que é um ato agressivo, Macabéa gosta. A partir de então, a personagem se arruma muito mais e compra um batom. No filme, Macabéa já se sente mulher, começando a mostrar expressão facial, esboçando sorrisos e aparecendo no mesmo nível de enquadramento da personagem Glória.
Destaca-se ainda o rádio como um mecanismo de comunicação de Macabéa com o mundo. A personagem absorve para si pequenas doses das pílulas da Rádio Relógio como o máximo de cultura que tivera a oportunidade de conhecer. Macabéa faz uso dessas pílulas para ter alguma espécie de diálogo com o namorado Olímpico. No entanto, não há uma troca, porque Olímpico não acrescenta nada à informação que recebe. Macabéa pergunta a Olímpico o que é cultura. E ele, por sua vez, responde que cultura é cultura, tornando, assim, o diálogo rápido e muitas vezes com frases nominais, sem progressão, ação.
            É interessante notar também o local em que as personagens “Marias” trabalham: as Lojas Americanas. Tal ideia reforça o conceito histórico da década de 70 da vinda das grandes empresas ao Brasil. Percebe-se que é uma loja de departamentos que, por meio do nome Lojas Americanas, sugere a condição de um país de primeiro mundo no qual há progresso, desenvolvimento: Estados Unidos. Existe ainda um sentido de esperança. Muitos nordestinos buscam um sonho, um futuro melhor.
            A simbologia do manequim também é muito forte. O manequim é um objeto inanimado que representa uma pessoa, não sendo. Macabéa identifica-se com esse manequim porque ela também é um pré-ser, ou seja, ela é antes do humano – tem poucas expressões faciais e gestos mecânicos.
            As obras cinematográfica e literária são sociais porque apontam para a industrialização e desenvolvimento tecnicista. O gato come o rato do começo ao fim, representando a luta pela sobrevivência e de classes. Há, logo, mais uma vez a questão da promessa de emprego com carteira assinada. Existe uma demanda do êxodo urbano, porque os nordestinos vêm trabalhar nas grandes cidades, como é o caso de Macabéa e Olímpico.
            O desfecho do filme e do livro dá-se com a ida de Macabéa à cartomante. Se antes Macabéa era o pré-ser, as revelações que a cartomante faz a ela serão o momento epifânico em que Macabéa se percebe como um ser humano. Isso transparece principalmente na sua fisionomia – a personagem se solta, sua expressão facial é mais livre, Macabéa ri de gargalhar, como se fosse um soluço, isto é, incontrolável. Por meio da promessa de um futuro promissor ao lado de um homem loiro e estrangeiro que a ame, Macabéa se transporta para um cenário no qual ela consegue quase palpar essa felicidade que jamais ousou imaginar. Nesse momento, Macabéa caminha pelas ruas de forma suave e pela primeira vez ela anda de cabeça erguida. Se antes ela só fitava os manequins do lado de fora das vitrines, agora Macabéa não só entra na loja como compra um vestido. Veste ali mesmo e sai pelas ruas. Solta os cabelos como um cavalo selvagem e, em seguida, é atropelada por uma Mercedes-Benz. “A vida comendo a vida.” Atropelada como choque trágico entre a nordestina e a cidade.

A Hora da Estrela é simbolizada pela estrela que representa o logo da marca Mercedes-Benz. Mas também pode ser intuída como o momento em que Macabéa se descobre como um ser humano, retomando a vontade de ser uma estrela de cinema que aparece nas revistas. Pode-se perceber, além disso, que Clarice Lispector arremata o livro com a frase “Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos”, ou seja, deve-se aproveitar o agora: filosofia do Carpe Diem.

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